segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Tecnologia e visões do futuro, em “Brainstorm”

Filme de ficção científica feito na década de 1980 e agora relançado em DVD merece melhor reconhecimento do que obteve na época.

Douglas Trumbull, designer de efeitos especiais, que ficou conhecido e badalado pelo seu trabalho em “2001, Uma Odisséia no Espaço”, e filmes como “Blade Runner”, ou “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, fez um filme com o nome de “Brainstorm”, com pouca ou nenhuma repercussão sobre ele, exceto que foi o último filme da atriz Natalie Wood.

Acontece que diretor e roteiristas ainda estavam sob o encantamento das premissas premonitórias de “2001”, e o pouco reconhecimento do filme de nada adiantou para a divulgação do seu interessante conteúdo, particularmente na comunidade mais voltada para a ficção científica. Olhando novamente o filme hoje e com mais calma, nota-se que muito do seu conteúdo pouco tem de ficção: ele nos mostra na tela o cenário típico da informática dos anos de 1980, época na qual a microinformática disparou para a posição em que ela se situa hoje, na vida de todos nós.

Visões do futuro

Arthur C. Clarke, autor do livro no qual “2001” se baseia, foi quem mais previu a evolução dos métodos de comunicação do futuro. Foi ele quem propôs a comunicação por satélite e em 2001 ele antevê a ligação telefônica de longa distância com imagem, concretizada pouco mais de vinte anos após o filme.

Mas Brainstorm também fala da manipulação de massa, através do invento de comunicação da cientista Lillian Reinolds, e da preocupação da mesma com o uso antiético e indevido do equipamento. E, de fato, a trama do filme acaba por envolver a aplicação secreta, com finalidades militaristas, feita nas costas dos seus pesquisadores. A própria palavra “Brainstorm” tem este tipo de significado: o pânico nervoso, o ataque psicótico, ou a mais singular e violenta de todas as lavagens cerebrais. Portanto, não é por acaso que os cineastas tivessem colocado “Brainstorm” como cognome para o avanço científico conseguido e para o projeto militar que o tornaria a mais suja das armas, simultaneamente.

O filme nos mostra o lado bom desse avanço enfaticamente, que é a necessidade de romper barreiras de comunicação entre seres humanos. E, de tabela, usa o casamento falido entre Michael e Karen Brace, para dar sentido à importância do reconhecimento das promessas esquecidas de outrora, de saber como as pessoas se sentem, quando a relação afetiva chega a um suposto impasse irreconciliável.

Olhando essas perspectivas apontadas no filme com o que vem acontecendo no mundo desde uns 15 anos para cá, dá para perceber o quanto avançamos e o quanto retrocedemos nessa coisa da comunicação. A Internet, por exemplo, é um marco nas comunicações e na formação de opinião da sociedade, mas é também uma maneira de aumentar a manipulação de massa, de programar golpes e esquemas, de roubar informação, e de invadir a privacidade alheia!

O filme aponta essa dualidade de propósitos, em cima do mesmo avanço tecnológico, e com fortíssimo senso moralista. Forte o suficiente, para justificar a penetração no sistema, com o objetivo de destruí-lo. E para conseguir invadi-lo, são os próprios pesquisadores quem se lançam como hackers, para inseminar a programação original com instruções erradas, levando ao caos e a aniquilação de todo o trabalho malversado.

A informática dos anos 80

Quem viveu essa época, irá se lembrar, ao ver a cenografia do filme, como estávamos naquela época. Eu costumo dizer aos amigos mais próximos, que a informática da década de 1980 foi, para nós, uma escola. Ali, tudo mudou, os rumos e as tendências. Foi uma época de transição, de definição e de tomada de decisões, que acabaram por alavancar a informática ao estágio que ela está hoje.

Houve um momento dessa transição, creio eu, em que a informática convencional excluiu os microcomputadores desse cenário evolutivo. E, de fato, era impensável se trabalhar com um processador de 8 bits e 64 kbyes de memória, e ainda querer se conseguir alguma coisa de útil. Mas, isso aconteceu, e foi a base para o que veio depois. Na evolução da informática, foram os amadores, mais do que os profissionais, que empurraram a necessidade de se conseguir um hardware melhor, de maneira a aumentar os recursos físicos nos quais programas mais complexos pudessem ser escritos.

Houve, na verdade, um momento de inacreditável criatividade, com programadores tirando leite de pedra, para conseguir memória e processar dados em tempo real, sem o quê nenhum sistema poderia ser construído, em equipamentos tão pequenos.

O filme nos mostra ainda aqueles monitores gigantescos e desengonçados, de baixíssima resolução, ao lado de modems que ainda falavam com a ajuda de monofones. Equipamentos que iriam desaparecer para sempre, na década seguinte.

A edição nova em DVD

Todas as edições anteriores de Brainstorm em home vídeo foram incapazes de reproduzir corretamente o seu formato de cinema, inclusive a versão anterior em DVD da M-G-M. Na nova edição, lançada pela Warner, as intenções cinematográficas do diretor são finalmente reveladas:

image0018.png

O filme foi feito em processo fotográfico duplo, usando-se lente esférica (filme plano), em 35 mm, a 1.85:1, nas partes que não incluem o uso do equipamento Brainstorm. Na tela widescreen completa, a 2.35:1, essa é a imagem que se vê:

image0038.png

O segundo e principal processo fotográfico era originalmente, mais ambicioso: rodar o filme em 60 quadros por segundo, com o uso de negativo em 65 mm. O processo foi batizado de “Showscan”, mas nunca chegou aos cinemas. Somente as cenas contendo a varredura cerebral, do tipo realidade virtual, são mantidas neste formato. As demais foram feitas por processo Super Panavision 70, com cópias em 70 mm distribuídas aos cinemas à época. Aqui no Brasil, eu não me lembro de ter visto este tipo de cópia, mas também como não assisti ao filme na época, não posso afirmar com segurança.

De qualquer maneira, mesmo em 35 mm, as cópias são obrigadas a mostrar a mudança de enquadramento e relação de aspecto. Nas cenas em 70 mm, a maioria foi feita com lente grande angular, dando um efeito fotográfico semelhante aos primeiros filmes panorâmicos feito com este tipo de efeito (Cinerama, Todd-AO). O resultado pode ser visto logo abaixo:

image0056.png

E numa tomada, cujo visual nos é familiar:

image0077.png

A transcrição em DVD é tão boa, que logo a gente se pergunta por que cargas d’água a Warner não lançou o filme direto em Blu-Ray. No DVD, pelo menos, ainda é possível ver a diferença de nitidez entre as tomadas de 35 mm e as de 70 mm. Na embalagem, a Warner dá a pista de que os negativos-fonte foram reduzidos a 35 mm, antes da telecinagem ser feita, como, aliás, tem sido hábito do estúdio, para melhorar a reprodução de filmes em 70 mm em DVD.

A parte de áudio também foi bastante modificada. As transcrições em vídeo anteriores usaram Dolby ProLogic (4.0 matricial), mas neste caso a trilha original em 6 canais da cópia em 70 mm parece ter sido a fonte para esta edição. A parte em 35 mm está localizada no canal central, em amplo contraste com as cenas em 70 mm, que envolvem completamente o espectador. Isto dá uma dimensão extraordinária ao filme, incapaz de ser percebida antes, com a fidelidade em surround anteriormente oferecida. Um grande avanço no áudio, portanto, que certamente agradará tanto ao cinéfilo quanto ao hobbyista.

Comentários finais

Um dos pontos nevrálgicos da ficção exposta em Brainstorm está na gravação da morte da cientista principal, e cuja reprodução iria acarretar risco de morte a quem usasse o receptor cerebral do sistema. Mas, após as modificações nos circuitos relevantes serem feitas, a curiosidade científica toma conta do seu assistente, para saber o que acontece após a morte.

Aqui, curiosamente, os cineastas não usam uma abordagem “científica”, porque, se assim o fizessem, teriam que lançar a gravação para o limbo e para a obscuridade, dizendo assim o que a ciência oficial nos diz a respeito da morte: que ela é o término da vida, ou seja, não acontece mais nada após a morte.

As cenas post mortem mostram um universo de imagens, sujeitas a interpretações religiosas de qualquer tipo. Anjos, planetas e retrospectos de vida nos fazem duvidar se é isso que os cineastas pensam sobre a morte, ou se as cenas foram incluídas, para evitar insultar ou agredir a platéia com convicções religiosas.

Imagino que para o cinéfilo, pouco importa o motivo. As cenas têm uma beleza gráfica, como seria de se esperar do diretor, em um momento do cinema quando não se tinha maiores recursos de computação gráfica para se conseguir este intento.

O filme teve produção problemática, por causa da morte de Natalie Wood. Algumas cenas foram feitas com uma dublê, caso contrário ele seria terminado. Depois, houve ameaças de colocá-lo em permanente arquivo, devido provavelmente à relação pouco amistosa entre o diretor e o estúdio. Que novidade…

Brainstorm teria merecido melhor acolhida nos cinemas, e certamente uma melhor edição em mídia doméstica. A edição atual em DVD ainda está restrita ao mercado norte americano e ao japonês, e nem se fala numa possível edição em Blu-Ray. Uma pena. Acho eu que, diante do retrospecto de conteúdo, o filme merece estar presente nas prateleiras do resto do mundo, em reconhecimento ao bom trabalho e ao bom cinema de ficção científica, feito na década de 1980! [Webinsider]

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário,sugestão,críticas,elogios ou
perguntas.
Faça o Centro de Inclusão Digital cada vez mais crescer e melhorar para você.